domingo, 30 de setembro de 2012


As virgens que amedrontam os crentes


Hermes C. Fernandes

Uma das passagens mais usadas para aterrorizar os crentes é a parábola das Dez Virgens. De acordo com a interpretação de alguns pregadores, a parábola indica que apenas uma porcentagem dos crentes em Jesus participariam do Arrebatamento, e os demais seriam deixados para trás. Se formos um pouco mais literais, somente 50% dos crentes serão realmente salvos. Os demais estão entre os imprudentes, que serão pegos de surpresa, despreparados, e por isso, inaptos para subir com Cristo.

Será que tal interpretação faz jus àquilo que Jesus intentava dizer aos Seus discípulos?

Nessa parábola, Jesus está falando da chegada do reino, e não de Sua segunda Vinda. E o Seu reino foi inaugurado ainda em Seu primeiro advento.

O texto diz que “o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo” (Mt.25:1).

Sôa até estranho, se não atentarmos para o contexto cultural da época. Estaria Jesus defendendo algum tipo de poligamia? Por que “dez virgens”, em vez de apenas uma? Teria Jesus mais de uma noiva?

As virgens da parábola não seriam desposadas pelo noivo. Elas eram como “madrinhas” da noiva. Fazia parte do ritual de bodas judaicas, o encontro das “madrinhas” virgens, com o noivo, para acompanhá-lo até a noiva.

Ora, o noivo da parábola representa o próprio Cristo. E a noiva, embora não figure na parábola, é a Igreja. Quem seriam, então, as virgens? Elas representam o povo judeu.

É interessante que em outra passagem, João Batista se apresenta como “o amigo do Noivo”. Além das virgens madrinhas, o noivo também era assistido por um amigo, geralmente, aquele que fosse considerado o melhor amigo. Assim como não podemos confundir o noivo com o amigo do noivo, também não podemos confundir a noiva com as dez virgens.

Ao ser confundido com o Cristo, João respondeu: “Eu não sou o Cristo, mas sou enviado adiante dele. A noiva pertence ao noivo. O amigo do noivo, que lhe assiste, espera e ouve, e alegra-se muito com a voz do noivo. Essa alegria é minha, e agora está completa” (Jo.3:28b-29).

De acordo com o protocolo, as virgens madrinhas deveriam sair ao encontro do noivo, portando lâmpadas devidamente acesas.

Segundo a parábola, dentre as dez virgens, cinco eram prudentes, e cinco eram insensatas.

“As insensatas, ao tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo. Mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas, com suas lâmpadas. Demorando o noivo, todas elas acabaram cochilando e dormindo” (Mt.25:3-5).

Repare no detalhe: todas elas acabaram dormindo. Ficaram desatentas, e cochilaram. A diferença entre elas era o suplemento extra de azeite que cinco delas haviam trago. Portanto, a questão não era apenas de vigilância, como bradam os pregadores, mas de prevenção e prudência. Ser prudente aqui, é ser precavido.

Por isso, não parece razoável usar esse texto para amendrontar os crentes, fazendo-os duvidar de sua salvação, temendo que o Senhor lhes flagre “dormindo”.

Paulo escreve acerca disso em sua primeira epístola endereçada à igreja em Tessalônica:

“Mas, irmãos, acerca dos tempos e das épocas, não necessitais de que se vos escreva, pois vós mesmos sabeis muito bem que o dia do Senhor virá como o ladrão de noite (sem aviso prévio) (...) Mas vós, irmãos, já não estais em trevas, para que esse dia vos surpreenda como um ladrão. Todos vós sois filhos da luz, e filhos do dia. Nós não somos da noite, nem das trevas. Não durmamos, pois, como os demais, mas vigiemos, e sejamos sóbrios. Pois os que dormem, dormem de noite, e os que se embriagam, embriagam-se de noite. Nós, porém, que somos do dia, sejamos sóbrios (...) Pois Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação por nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por nís, para que, quer vigiemos, quer durmamos, vivamos juntamente com ele” (5:1-2,4-8a, 9-10).

É claro que devemos “vigiar”, isto é, estar atentos, para que não sejamos surpreendidos. Entretanto, quer vigiemos ou durmamos, nosso encontro com o Senhor é garantido. O risco é o de sermos pegos de surpresa, e não o de sermos condenados.

Voltando à parábola:

“Mas, à meia-noite ouviu-se um grito: Aí vem o noivo, saí ao seu encontro” (Mt.25:6).

Esse “grito-convocação” foi o grito dos profetas, dos quais, João foi o último expoente. Apenas parte do povo judeu deu ouvidos ao alarde profético. A outra parte se manteve surda e insensível ao apelo de Deus. Faltava-lhes o azeite, a luz, a revelação. Seu coração foi endurecido.

Paulo compreendia bem tal situação, pois a havia testemunhado. Em sua última investida evangelística direcionada aos judeus, o apóstolo dos gentios se viu profundamente decepcionado com seus patrícios.

Segundo o relato de Atos, dentre os judeus que vieram ao seu encontro em Roma, “alguns foram persuadidos pelo que ele dizia, mas outros não creram” (28:24). Os que criam eram as virgens prudentes, e os que desdenhavam eram as virgens insensatas. Suas lâmpadas estavam apagadas. Lucas diz que eles “discordaram entre si, e começaram a sair, havendo Paulo dito esta palavra: Bem falou o Espírito Santo a nossos pais pelo profeta Isaías: Vai a este povo, e dize: Ouvindo, ouvireis, e de maneira nenhuma entendereis; vendo, vereis, e de maneira nenhuma percebereis. Pois o coração deste povo está endurecido; com os ouvidos ouviram pesadamente, e fecharam os olhos, para que jamais vejam com os olhos, nem ouçam com os ouvidos, nem entendam com o coração, e se convertam e eu os cure” (Atos 28:25-27).

Dentre os filhos de Israel, somente o remanescente pôde entrar no Reino de Deus. Quem são os remanescentes? Os que deram ouvidos ao grito profético, e foram ao encontro do Noivo. Isso é confirmado por outras passagens, como aquela que Paulo menciona aos Romanos: “Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo”( Rm.9:27).

Somente os que atentarem para as profecias, e se derem conta de que elas falam de Jesus de Nazaré, e confiarem em Sua provisão para a salvação, serão, de fato, salvos.

Ninguém será salvo por pertencer a uma etnia, ou por ter o sangue de Abraão correndo em suas veias.

É Paulo quem declara: “Tenho declarado tanto aos judeus como aos gregos que devem se converter a Deus, arrepender-se e ter fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (At.20:21).

Por todo o livro de Atos encontramos o cumprimento da parábola das virgens. Em Antioquia, por exemplo, “muitos dos judeus e dos prosélitos devotos seguiram a Paulo e Barnabé, os quais, falando-lhes, exortavam-nos a que permanecessem na graça de Deus”(At.13:43). Esses equivalem às “virgens prudentes”. Mas logo abraixo no texto, lemos que “os judeus, vendo a multidão, encheram-se de inveja, e, blasfemando, contradiziam o que Paulo falava” (v.45). Esses equivalem às “virgens insensatas”.

A parábola prossegue:

“Então todas aquelas virgens se levantaram e prepararam as suas lâmpadas. E as insensatas disseram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite; as nossas lâmpadas se apagam. Mas as prudentes responderam: Não seja o caso que nos falte a nós e a vós. Ide antes aos que o vendem, e comprai-o” (Mt.25:7-9).

De quem elas deveriam comprar o azeite? Onde encontrariam a luz de que suas lâmpadas necessitavam? Com a palavra, Simão Pedro, o apóstolo da circuncisão:

“E temos ainda mais firme a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que ilumina em lugar escuro, até que o dia clareie, e a estrela da manhã surja em vossos corações” (2 Pe.1:19).

Revelação não é algo que se possa receber de terceiros. Não há como terceirizá-la. Tem-se que buscar na fonte. Podemos adquirir informação através de outros, mas só adquiriremos “azeite” para nossas lâmpadas, se buscarmos diretamente na fonte. Por isso Jesus insistia: “Examinai as Escrituras...”

Por muitos séculos, os judeus negligenciaram a Palavra. Por isso, foram incapazes de reconhecer o Messias, quando Ele apareceu nas ruas da Galiléia.

Quando procuraram por Paulo em Roma, queriam um pouco de azeite para suas lâmpadas, mas a porta já se havia fechado. Como disse Jesus, o Reino lhes fora tirado, e entregue a um outro povo, a igreja. Somente os remanescentes “entraram com ele para as bodas”.

Para esse “remanescente”, a porta sempre estará aberta. Como bem afirmou o apóstolo: “Assim, pois, também agora neste tempo ficou um remanescente, segundo a eleição da graça” (Rm.11:5).

Como vimos, a parábola das virgens jamais teve a intenção de causar pânico aos seguidores de Cristo. Não estamos nem entre as cinco prudentes, nem entre as cinco insensatas. Somos a única noiva do Cordeiro, aquela que está sendo preparada para ser apresentada “como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo” (2 Co.11:2).

Christus Victor!

Hermes Fernandes toca subversão no Genizah
Leia Mais em: http://www.genizahvirtual.com/2012/08/as-virgens-que-amedrontam-os-crentes.html#ixzz24lnYrcZM
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial Share Alike

sábado, 29 de setembro de 2012


Arrepender-se é mudar o mundo



  PAULO BRABO



O arco da narrativa de Lucas, que se alça no evangelho que traz o seu nome e se fecha graciosamente no livro de Atos, é sustentado por um bom número de conceitos-chave, motivos centrais que [re]aparecem em momentos estratégicos e amarram dessa forma a sua estrutura. São temas como batismoarrependimento, salvação, plano divino e a relação entre a rejeição e a expansão da mensagem da boa nova.
Dentre esses, o menos importante não será a noção demetanoia/arrependimento. A raiz grega para “arrependimento” aparece 25 vezes no trajeto de Lucas-Atos, número que representa mais de 45% de todas as ocorrências da palavra no Novo Testamento. Mais importante do que observar essas cifras, no entanto, será notar que os demais autores do Novo Testamento, quando usam a palavra, não se dão ao trabalho de defini-la ou de fornecer para ela quaisquer verdadeiros pontos de referência. Lucas é o único autor neotestamentário a apresentar chaves numerosas e inequívocas para que seu leitor entenda a natureza do arrependimento,“Frutos dignos de arrependimento”, isto é, atitudes que evidenciem a nossa mudança de mentalidade.conforme anunciado por Jesus e por seu precursor, bem como as implicações da idéia para a comunidade cristã e para a sociedade como um todo.
Para o autor de Lucas e Atos o arrependimento é uma forma muito peculiar e prenhe de consequências de mudança de mentalidade. Sua idéia de arrependimento tem, na realidade, pouca relação com a arapuca cheia de implicações teológicas com que tentamos aprisionar a palavra.
Muito embora no evangelho de Lucas João Batista dê início ao seu serviço público apregoando o “batismo de arrependimento tendo em vista a remissão de pecados” (Lucas 3:3), nesta narrativa arrepender-se não é o mesmo que “abraçar o perdão”, nem é o mesmo que “abandonar uma vida de pecado” (pelo menos não no sentido seletivo que costumamos atribuir a perdão e pecado).
Muito embora João Batista deixe muito claro (Lucas 3:8) que o apego à tradição religiosa não tem poder para poupar quem quer que seja da ira vindoura (“nem comecem a dizer em si mesmos: ‘Nosso pai é Abraão’”), para Lucas arrepender-se também não é mero recurso para se evitar a punição divina.
Tanto “abandonar o pecado” quanto “evitar a punição”, idéias através das quais estamos habituados a interpretar o termo arrependimento, tem uma natureza negativa: enfatizam o que não deve ser feito e aquilo que pode ser evitado. Na narrativa de Lucas-Atos, o arrependimento é sempre coisa a ser lida numa lente positiva: diz respeito, invariavelmente, ao que deve ser, a partir daquele momento e para sempre, colocado em prática.
Para Lucas, a mensagem do arrependimento não anuncia coisa alguma a respeito do que Deus está fazendo; ela anuncia tudo a respeito do que você deve fazer. Para Lucas, as implicações do arrependimento não são teológicas, mas práticas. Para Lucas, arrepender-se é um modo de abraçar a salvação pelo método de salvar os outros.
Isso fica evidente desde o primeiro momento em que a idéia é apresentada pelo autor, no terceiro capítulo do seu evangelho. Às multidões que saíam para ser batizadas por ele, João Batista dava a entender, sem qualquer rodeio, que o seu batismo não representava garantia alguma ou mérito algum (vv. 7-8). “O que vocês devem fazer”, ele esclarece em seguida, “é produzir frutos dignos de arrependimento”. Em outras palavras, o que Deus está exigindo de nós não são ritos ou profissões de fé, mas atitudes que evidenciem a nossa mudança de mentalidade. Porque as árvores que não dão frutos – isto é, os adoradores que não produzem evidência da sua mudança de critérios – estão sendo cortadas e lançadas no fogo (v. 9).
Diante dessa exigência, os ouvintes de João Batista apresentam-lhe a pergunta que será ecoada sem alteração pelos ouvintes de Pedro no Pentecosteso que devemos fazer?
A resposta oferecida pelo Batista é de importância épica, porque revelará quais são, na opinião divina que ele está representando, as implicações da metanoia. Quais são as atitudes que evidenciam o arrependimento/mudança de mentalidade? Que resposta você daria a quem lhe perguntasse quais são as exigências do arrependimento bíblico?
Para surpresa e embaraço eternos de igrejeiros antigos e contemporâneos, o arauto de Deus não entende o arrependimento como chamado à religião ou à abstinência, mas como convocação à justiça social, à integridade e à distribuição de renda:
“Quem tem duas túnicas”, exige João Batista, “reparta com o que não tem nenhuma. Quem tem comida deve fazer o mesmo”.
Para nossa felicidade, alguns cobradores de impostos aparecem logo em seguida para serem batizados por João – isto é, estão dispostos também eles a abraçar o arrependimento, – e fazem-lhe precisamente a mesma pergunta: e nós, o que devemos fazer?
A resposta de João: “Não cobrem mais do que lhes foi prescrito.”
E, logo depois, alguns soldados: e nós, o que devemos fazer?
João: “Não tentem extorquir o que pertence aos outros fazendo denúncias falsas. Contentem-se com o seu soldo”.
Neste ponto será necessário mais uma vez parar no acostamento e enfatizar o caráter absolutamente revolucionário dessas divinas interferências. Pois o reino de Deus anunciado por João Batista e por Jesus não implica apenas na abolição da idéia de religião como esforço de reconciliação com Deus por parte do homem. Nesta nova intervenção Deus não quer nos salvar das nossas faltas ou do castigo que elas requerem, o que seria fácil demais; seu ambicioso e exigentíssimo plano é salvar-nos da nossa mediocridade. Seu plano é salvar-nos de nós mesmos.
Para os arautos das boas novas nos quatro evangelhos, o homem deve arrepender-se não porque o arrependimento é a resposta adequada ao pecado, mas porque teve início um novo e assombroso período da história. A motivação para se adotar a nova mentalidade é a vertiginosa notícia de que o reinado de Deus foi inaugurado.Arrependei-vos, minha gente, porque é chegado o reino de Deus.
E embora não conheçamos o retrato completo deste novo mundo que Deus está sonhando, anunciando e implantando, os evangelhos vão indicando que ele será caracterizado por inúmeras revoluções por minuto em todas as áreas da atividade humana. Este novo mundo requer uma nova mentalidade, uma nova visão de mundo, e adotar esta nova cabeça é precisamente arrepender-se.
É por isso que em suas respostas João Batista vai esclarecendo que o arrependimento deve necessariamente abranger todo um leque de dimensões éticas, sociais e antropológicas.
Como o cerne do projeto do reino é uma reconciliação radical entre os seres humanos, com a consequente criação de uma nova comunidade, a primeira e mais geral revelação é a de que todos, não apenas os ricos, tem a responsabilidade de repartir. Onde todos tem a mesma ausência de merecimento, todos merecem rigorosamente a mesma coisa – pelo que toda e qualquer desigualdade deve ser voluntariamente corrigida pelos componentes do sistema (“quem tem duas túnicas reparta com o que não tem nenhuma. e quem tem comida deve fazer o mesmo”). Em segundo lugar, como explicam as respostas dadas aos soldados e aos cobradores de impostos, a nova era exigirá, mesmo daqueles colocados nas mais comprometedoras posições da sociedade, uma postura radical de integridade pessoal.
metanoia representa uma revisão completa do modo como os seres humanos interagem uns com os outros, e isso porque o novo estado de coisas do reino exigirá tudo de todos e algo diferente de cada um. Embora acabe representando desafios diferentes de acordo com a presente posição do indivíduo na sociedade, as marcas do arrependimento dizem sempre respeito à relações interpessoais, e requererão invariavelmente uma postura de altruísmo, inclusão e misericórdia. Como deixam abundantemente claro os três exemplos deste episódio de Lucas, arrepender-se é rever a nossa posição sobre quem é digno de Deus, e portanto sobre quem é merecedor da nossa amizade, da nossa lealdade e da nossa túnica extra.
Esta, e não servir de ilustração da vida futura, é a razão de ser da parábola do rico e o Lazáro (Lucas 16:19-31). Na parábola o homem rico mostrou-se merecedor dos tormentos do inferno porque, diante da oportunidade que jazia literalmente à sua porta, recusou-se a arrepender-se. O rico é punido porque negou-se a abraçar a lógica inclusiva do reino e repartir com o Lázaro uma parcela dos seus recursos. De seu posto de sofrimento e exclusão, o rico pede a Abraão que permita que o mendigo se apresente na terra dos vivos aos seus cinco irmãos, porque “se alguém dentre os mortos for ter com eles, eles hão de se arrepender” – isto é, mudarão o seu modo de interagir com os outros/pobres.
Paralelamente, há outro símbolo potente nas respostas dadas por João Batista aos soldados e aos cobradores de impostos. Os dois grupos representavam categorias que viviam – e muitas vezes por boas razões – às margens da aceitação social. Soldados e cobradores de impostos não mereciam tratamento cordial e não tinham cacife para participar da comunidade de Deus. Ao se dispor a responder as suas perguntas, João acaba revelando o impensável: que o arrependimento (e portanto o acesso ao reino e à salvação) está aberto mesmo aos desprezíveis e desprezados, aqueles que a sociedade decidiu serem inteiramente indignos de inclusão social fora do seu próprio círculo. Arrepender-se, na ótica mais ampla do reino, é tanto mudar de idéia a respeito de quem é aceitável quanto passar a viver fornecendo a todos indicação de que todos são aceitáveis.
É preciso lembrar que o mundo da Antiguidade era, talvez ainda mais do que o nosso, regido pela crença indiscriminada em categorias sociais estanques, barreiras que milagre algum podia alterar ou derrubar. A inclusividade brutal do reino de Deus, como proposto por Jesus e João Batista, representava e representa uma tremenda ameaça a esse estado de coisas.
E, como declarado nos evangelhos, a revolução igualitária do reino começa pessoa a pessoa pela guerrilha do arrependimento, que no vocabulário da boa nova não é remorso e não é contrição, mas uma mudança definitiva e radical no modo de se ver e experimentar o mundo e a relação com o Outro.
Arrepender-se é mudar o mundo. Numa palavra, Jesus prega a aceitação de todos, e essa inclusividade requer uma extrema revisão no nosso modo de pensar pessoas e comunidades. Essa mudança de mentalidade altera cada aspecto da vida, e produz uma completa reorientação de crenças, critérios e atitudes.
Na prática, como explicam os exemplos do evangelho de Lucas, o arrependimento trabalhará sempre para corrigir desigualdades e injustiças sociais, morais, éticas, financeiras e religiosas. Contribuirá para alterar visões de mundo que causavam a exclusão. Servirá de instrumento de ressocialização, possibilitando a criação de um comunidade inclusiva sem qualquer paralelo na história anterior ou posterior da humanidade.
Essa reforma de ponto de vista altera o próprio tecido da realidade, porque muda o que as pessoas se mostrarão dispostas a fazer umas pelas outras. Criará ao mesmo tempo um ambiente novo, onde gente de diversas origens e orientações, que vivia antes alienada, poderá conviver como povo de Deus.
Esta insana reprogramação é o que os arautos da boa nova chamam de arrependimento/metanoia.

Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, bendizei aos que vos maldizem, e orai pelos que vos caluniam.
Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra; e ao que te houver tirado a capa, não lhe negues também a túnica. Dá a todo o que te pedir; e ao que tomar o que é teu, não lho reclames.
Assim como quereis que os homens vos façam, do mesmo modo lhes fazei vós também.
Se amardes aos que vos amam, que mérito há nisso? Pois também os pecadores amam aos que os amam. E se fizerdes bem aos que vos fazem bem, que mérito há nisso? Também os pecadores fazem o mesmo. E se emprestardes àqueles de quem esperais receber, que mérito há nisso? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para receberem outro tanto.
Amai, porém a vossos inimigos, fazei bem e emprestai, nunca desanimado; e grande será a vossa recompensa, e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os ingratos e maus.
Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso.
Vendo-se as coisas por esta ótica, fica evidente que a parábola do filho pródigo (Lucas 15:11-32) não é contada para constrastar um filho austero e um filho devasso, nem para mostrar a diferença entre um filho volúvel e um pai constante. O conflito central da parábola só é colocado em andamento quando o filho pródigo aparece arrependido no horizonte, porque esta narrativa serve para constrastar duas atitudes possíveis de uma comunidade diante do arrependimento. Por um lado, o pai acolhe o arrependimento como motivo de júbilo e ressocialização; por outro, o filho mais velho vê a inclusão como motivo de ódio e horror.
A lição da parábola está em que na visão de mundo do reino a inclusividade, o perdão e a misericórdia nunca devem ser vistos com rancor ou como falta de critério, mas como ensejo para a mais irrestrita e exuberante celebração. A narrativa explica que é mais fácil um de fora arrepender-se (isto é, sentir-se disposto a incluir e a ser incluído) do que os que se sentem incluídos se mostrarem dispostos a abraçar sem qualquer trâmite os de fora. O verdadeiro desafio do arrependimento, o verdadeiro funil da conversão de mentalidade exigida pelo reino, é sermos capaz de engolir gostosamente essa medida geral e irrestrita de inclusão.
Mas a boa nova não se cala, e insiste imoderadamente que a conversão de mentalidade do reino está ao alcance de todos – até mesmo de patifes como nós, que via de regra não nos consideramos pecadores como os outros. Porém, a história conta que para nós arrepender-se representará aceitar no nosso seletíssimo círculo a inclusão daqueles de que estamos absolutamente convictos não merecem nossa consideração – quanto mais nosso beijo, nosso abraço e um lugar inesperado à mesa.

http://www.baciadasalmas.com/2010/arrepender-se-e-mudar-o-mundo/

Se cair, não fique no chão. É sobre perdão de Deus.


Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça I João 1:9









Wilma Rejane
Com vídeo do Thales Roberto: Maravilha

Acredito fortemente  que imprimir sentimento de culpa na mente e no coração humano, é uma poderosa estratégia de Satanás. Ele sabe que os que são dominados por essas coisas, não raro, deixam de se relacionar com Deus de forma plena. Isso acontece também com cristãos! Alguns já foram tão intensos na comunhão com o Pai, na missão de servir, mas por algum motivo, chegaram a cair e desde então, nunca mais foram os mesmos: o fardo da culpa os reduziu a condição de infelicidade.

Somos “bombardeados” pelo dedo do acusador. Ele sabe atacar nossos pontos fracos, sabe que uma vida envolvida pela culpa pode ser mais facilmente dominada. Mas Deus nos deu o maravilhoso dom da graça e em Cristo Jesus somos agradáveis a Ele:” E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade. Para louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado. Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça.”. Efésios 1:5-7.


É claro que devemos nos esforçar e perseverar em fazer a vontade de Deus. Mas se falharmos não seja esse o motivo de permanecermos no chão. O perdão cura dias, meses, anos, vidas inteiras de pecado! Mas o perdão começa em nós. É quando reconhecemos que somos tão falhos quanto qualquer ser humano poderia ser e tão necessitados de Deus que a comunhão é o bem mais precioso a ser preservado. Tem um ditado que diz: “Santo, não é o que nunca se suja, mas o que se lava constantemente”. Esse  “lavar” é relacionar-se com Deus, ser sincero com Ele e confessar a culpa na certeza de receber perdão.


Apóstolo Pedro é um exemplo grandioso de fraqueza humana e perdão de Deus. Ele tinha todas as boas intenções possíveis de agradar a Jesus e vendo que se aproximava Sua morte disse-lhe: “Ainda que seja necessário morrer contigo, não te negarei! E todos os discípulos disseram o mesmo” Mt 26:35. Sabemos que Pedro abandonou e negou a Jesus, e esse fardo poderia ser motivo de perdição para Pedro. Mas não foi porque Jesus o amou de tal forma que o recolheu novamente em Seus braços para uma vida de liberdade.

No Evangelho de Marcos, quando é relatada a ressurreição de Jesus, lemos que os anjos citaram a Pedro: “ Mas ide, dizei a seus discípulos e a Pedro, que Ele vai adiante de vós para Galileia, ali o verão, como Ele vos disse” Mc 16:7. Pedro deveria estar tão cheio de culpa, infelicidade, se considerando incapaz para exercer o chamado ministerial, que os anjos enfatizam seu  nome como a dizer: “ Pedro é especial para o Mestre Jesus, digam que Ele o perdoa e o quer com Ele”.  É assim que Deus faz conosco, Ele nos quer junto a Ele.

Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, o qual não traz pesar; mas a tristeza do mundo opera a morte. - 2 Coríntios 7:10 . O arrependimento verdadeiro é centrado em Deus. É caracterizado por uma tristeza profunda, piedosa por ter ofendido Deus violando os seus mandamentos.  

Não raramente ao orar, lembro de quão cruel é um sepultamento: ver uma vida sendo encerrada dentro de um caixão, coberta pelo barro, “Todos são pó e ao pó tornarão” Ec 3: 20. E não haveria Deus de se compadecer de nós sabendo que a vida é um sopro? Em minhas íntimas  reflexões cito constantemente o verso do Salmo 115:17; “Os mortos não louvam ao Senhor, nem os que descem ao silêncio”. Por isso, meu Deus me faz louvar em vida. Me mantêm firme em Teus caminhos e se eu pecar me perdoa pois na sepultura,  nada mais poderá ser feito.

Deus quer nos abençoar em vida. Enquanto houver vida, haverá louvor. Só há um tipo de ação que a Bíblia cita como imperdoável: o pecado contra O Espírito Santo (Mc 3:29). Ou seja: ser rebelde a voz do Espírito Santo, desprezá-Lo. Somente age contra o Espírito, quem rejeita a graça vinda do sacrifício da cruz que perdoa para uma nova vida, que restaura inteiramente o relacionamento com Deus. Aceite o perdão de Jesus e perdoe àqueles que o maltrataram causando mágoa e sofrimento. Entregue esse fardo a Deus e Ele trará de volta a paz e a alegria ao seu coração.

"Assim como Cristo vos perdoou, perdoai também aos outros" Colossenses 3:13.

A definição bíblica do arrependimento é uma mudança de mentalidade que resulta em uma mudança de ação. Se não houver ódio para o pecado específico que você tenha cometido, e você não deixa este pecado, você não está se arrependendo biblicamente. Sem arrependimento não pode haver qualquer perdão dos pecados

Depois que passei a desfrutar do perdão de Deus, não deixo mais a mágoa enraizar em meu coração: "Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo" Efésios 4:26.  Jesus nos perdoa e nos capacita a perdoar. Hoje sou mais feliz, inclusive no casamento porque   aprendi sobre o valor que tem o perdão na vida a dois. Experimente pedir perdão e também perdoar e se surpreenda com o que Jesus ainda fará.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012


A Vida Plena nas Aflições - Luciano de Paula Lourenço

Texto Básico: Fp 4:10-13
“Sei estar abatido e sei também ter abundância; em toda a maneira e em todas as coisas, estou instruído, tanto a ter fartura como a ter fome, tanto a ter abundância como a padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Fp 4:12,13)
INTRODUÇÃO
Vivemos num mundo onde só há uma certeza: a presença de momentos de aflição. Jesus, deixou claro que no mundo teríamos aflições(João 16:33b) e, ao anunciar a edificação da sua Igreja, já foi logo dizendo que ela teria de enfrentar as portas do inferno(Mt 16:18).
Vimos ao longo deste trimestre situações difíceis que o cristão está propenso a passar, tais como: dramas biológicos – enfermidades na vida do crente(vimos nas lições 1, 2 e 3); dramas sociais (lição 4 e 5); dramas familiares (lições 7 e 8); dramas materiais (lições 9 e 10); dramas de relacionamento ( lições 11 e 12). Para onde nos viramos contemplamos o clamor das pessoas, o desespero tomando conta dos corações, famílias enfrentando problemas os mais sérios possíveis; assim caminham os povos do mundo inteiro. São momentos de dores, de guerra, de conflitos, de incompreensão, de sofrimento contínuo, a que tudo chamamos de aflições do presente século, confirmando as palavras do Apóstolo Paulo.
O apóstolo Paulo escrevendo aos Romanos, diz: “Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor”(Rm 8:38,39). A convicção firme e inabalável de Paulo é que nem a crise da morte, nem as desgraças da vida, nem poderes sobre-humanos, sejam eles bons ou maus(anjos, principados, potestades), nem o tempo(presente ou futuro), nem o espaço (alto ou profundo), nem criatura alguma, por mais que tente fazê-lo, poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor. Temos vida plena como a de Paulo nos momentos de aflições?
Quando as aflições nos cercarem a ponto de pretenderem nos levar à morte ou nos proporcionar impiedoso sofrimento, quando forças opositoras do presente século nos proporcionarem insuportável fardo, quando as expectativas sombrias de um futuro incerto nos assustarem, lembremo-nos: há um amor imensurável, aconchegante, ilimitado, incondicional que pode nos proporcionar incomparável alívio. Esse amor é o Amor de Deus. Lancemos, pois, mão desse trunfo e vençamos todas as aflições que eventualmente nos sobrevierem. O próprio Senhor Jesus afirmou que no mundo teríamos aflições. Todavia, Ele conclui dizendo: “…mas tende bom ânimo, eu venci o mundo”(João 16:33).
I. VIVENDO AS AFLIÇÕES DA VIDA
Depois de Jesus, uma das pessoas que mais experimentou aflições por amor a Cristo foi o apóstolo Paulo. Ouça-o: “…eu ainda mais: em trabalhos, muito mais; em açoites, mais do que eles; em prisões, muito mais; em perigo de morte, muitas vezes. Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um; três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; em viagens, muitas vezes; em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; em trabalhos e fadiga, em vigílias, muitas vezes, em fome e sede, em jejum, muitas vezes, em frio e nudez. Além das coisas exteriores, me oprime cada dia o cuidado de todas as igrejas” (2Co 11:23-28). Durante toda a sua dor e o seu sofrimento, Paulo podia dizer em triunfo: “Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós” (Rm 8:18).
Além dos cruentos sofrimentos exarados em 2Co 11:23-33, Paulo padecia de uma aflição contínua, que o acompanhou a vida inteira: uma enfermidade, que ele denominou de “espinho na carne”. No início de 2Coríntios 12, Paulo descreve seu arrebatamento ao terceiro céu e sua visão gloriosa. Viu coisas que não é lícito ao homem referir. Depois da glória, porém, vem a dor; depois do êxtase, vem o sofrimento. Em 2Coríntios 12:7-10, Paulo faz uma transição das visões celestiais para o espinho na carne. Que contraste gritante entre as duas experiências do apóstolo! Passou do paraíso à dor, da glória ao sofrimento. Provou a bênção de Deus no céu e sentiu os golpes de Satanás na terra. Paulo passou do êxtase do céu à agonia da terra. Vamos examinar alguns pontos importantes:
1. O sofrimento é inevitável. Paulo dá seu testemunho: “E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte” (2Co 12:7). Não há vida indolor. É impossível passar pela vida sem sofrer. O sofrimento é inevitável. O sofrimento de Paulo é tanto físico quanto espiritual.
2. O sofrimento é indispensável. Por que o sofrimento é indispensável?
a) Porque evita a soberba. O espinho na carne impediu que Paulo inchasse ou explodisse de orgulho diante das gloriosas visões e revelações do Senhor. O sofrimento nos põe em nosso devido lugar. Ele quebra nossa altivez e esvazia toda nossa pretensão de glória pessoal. É o próprio Deus quem nos matricula na escola do sofrimento. O propósito de Deus não é nossa destruição, mas nossa qualificação para o desempenho do ministério. O fogo da prova não pode chamuscar sequer um fio de cabelo da nossa cabeça; ele só queima nossas amarras. O fogo das provas nos livra das amarras, e Deus nos livra do fogo. O apóstolo Paulo diz que o espinho na carne era um mensageiro de Satanás. Mas o campo de atuação de Satanás é delimitado por Deus. Satanás intenciona esbofetear Paulo; Deus intenciona aperfeiçoar o apóstolo.
b) Porque gera dependência constante de Deus. “Por causa disto, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim” (2Co 12:8). O sofrimento levou Paulo à oração. O sofrimento nos mantém de joelhos diante de Deus para nos colocar de pé diante dos homens. Paulo sabe que Deus está no controle, não Satanás. Se Satanás realizasse seu desejo, ele teria preferido que o apóstolo Paulo fosse orgulhoso em vez de humilde. Os interesses de Satanás seriam muito melhor servidos se Paulo fosse se tornar insuportavelmente arrogante.
c) Porque mostra a suficiência da graça. “Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo” (2Co 12.9). A graça de Deus é melhor do que a vida. A graça de Deus é que nos capacita a enfrentar vitoriosamente o sofrimento. A graça de Deus é o tônico para a alma aflita, o remédio para o corpo frágil, a força que põe de pé o caído. A graça de Deus é a provisão de Deus para tudo de que precisamos, quando precisamos. A graça nunca está em falta; ela está continuamente disponível. Não devemos orar por vida fácil; devemos orar para sermos homens e mulheres capacitados pela graça.
3. O sofrimento é pedagógico. A vida é a professora mais implacável: primeiro, dá a prova e, depois, a lição. A dor sempre tem um propósito, mais que uma causa. Deus não desperdiça sofrimento na vida de seus filhos. Se Deus não remove o espinho é porque ele está trabalhando em nós, para depois trabalhar por meio de nós.
4. O sofrimento pode ser um dom de Deus. Temos a tendência de pensar que o sofrimento é algo que Deus faz contra nós, e não por nós. O espinho de Paulo era uma dádiva, porque, por meio desse incômodo, Deus protegeu Paulo daquilo que ele mais temia: ser desqualificado espiritualmente (1Co 9:27). Ele sabia que o orgulho destrói. Viu-o como algo que Deus fez a seu favor, e não contra ele.
5. Satanás pode ser o agente do sofrimento. Espere um pouco: é Satanás ou Deus quem está por trás do espinho na carne de Paulo? Como é que um mensageiro de Satanás pode cooperar para o bem de um servo de Deus? Parece uma contradição total. A inferência é que Deus, na sua soberania, usa os mensageiros de Satanás na vida dos seus servos. As bofetadas de Satanás não anulam os propósitos de Deus, mas contribuem para eles. Até mesmo os esquemas satânicos podem ser usados em nosso benefício e no avanço do reino de Deus. O diabo intentou contra Jó para afastá-lo de Deus, mas só conseguiu colocá-lo mais perto do Senhor.
6. Deus nos conforta em nossas adversidades. A resposta que Deus deu a Paulo não era a que ele esperava nem a que ele queria, mas era a que ele precisava. Deus respondeu a Paulo que ele não o havia abandonado. Não sofria sozinho. Deus estava no controle da sua vida e operava nele com eficácia.
7. A graça de Deus é suficiente nas horas de sofrimento. Deus não deu a Paulo o que ele pediu; deu-lhe algo melhor, melhor que a própria vida: a sua graça. A graça de Deus é melhor que a vida; pois por ela enfrentamos o sofrimento vitoriosamente. O que é graça? É a provisão de Deus para cada uma das nossas necessidades. O nosso Deus é o Deus de toda a graça (1Pe 5:10).
8. Finalmente, o sofrimento é passageiro. O sofrimento deve ser visto à luz da revelação do céu, do paraíso. O sofrimento do tempo presente não é para se comparar com as glórias porvir a serem reveladas em nós (Rm 8:18). A nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória (2Co 4:14-16). Aqueles que têm a visão do céu são os que triunfam diante do sofrimento. Aqueles que ouvem as palavras inefáveis do paraíso são os que não se intimidam com o rugido do leão.
O sofrimento é por breve tempo; o consolo é eterno. A dor vai passar; o céu jamais! A caminhada pode ser difícil. O caminho pode ser estreito. Os inimigos podem ser muitos. O espinho na carne pode doer. Mas a graça de Cristo nos basta. Só mais um pouco, e nós estaremos para sempre com o Senhor. Então o espinho será tirado, as lágrimas serão enxugadas, e não haverá mais pranto, nem luto, nem dor.
II. CONTENTANDO-SE EM CRISTO
O contentamento é um aprendizado, e não algo automático. O aprendizado do contentamento cristão, porém, se dá pelo exercício da confiança na providência divina.
1. Apesar da necessidade não satisfeita. A vida de Paulo não floresceu num paraíso de arrebatadoras venturas. Ele passou por grandes necessidades. Sabia o que era fome, sede, frio, nudez, prisões, açoites, tortura mental e perseguições(cf 2Co 11:23-27). Ele teve experiências de alegrias e aflições, mas na urdidura dessa luta aprendeu a viver contente. Seu contentamento, porém, não emanava dele mesmo, mas de outro, além de si mesmo. A base de seu contentamento é Cristo. Humilhação ou honra, fartura ou fome, abundância ou escassez eram situações vividas por ele, mas no meio delas, e apesar delas, aprendeu a viver contente, pois a razão do seu contentamento estava em Deus, e não nas circunstancias.
O que determina a vida de um indivíduo não é o que lhe acontece, mas como reage ao que lhe acontece. Não é o que as pessoas lhe fazem, mas como responde a essas pessoas. Há pessoas que são infelizes tendo tudo; há outras que são felizes não tendo nada. A felicidade não está fora, mas dentro de nós. Há pessoas que pensam que a felicidade está nas coisas: casa, carro, trabalho, renda. Mas Paulo era feliz mesmo passando por toda sorte de adversidades (2Co 11:24-27). Mesmo passando por todas essas lutas, é capaz de afirmar: “Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então é que sou forte” (2Co 12:10).
2. Apesar das perseguições. No princípio da Igreja, os cristãos enfrentaram muitas perseguições por causa da pregação do evangelho de Cristo, entretanto, esta situação não lhes tirava a alegria, senão vejamos:
a) Os discípulos, depois de serem açoitados por ordem do Sinédrio, saíram regozijando, ou seja, cheios de alegria, porque haviam sido julgados dignos de padecer afronta pelo nome de Jesus (At 5:40,41).
b) Estêvão, mesmo enfrentando uma multidão enfurecida que o haveria de matar, exultou ao ver o Filho do homem à direita de Deus, alegria esta que não diminuiu com o apedrejamento que se seguiu a esta visão (At 7:54-57).
c) Paulo e Silas, mesmo no cárcere interior (que era o compartimento mais terrível de uma prisão romana, situado no subterrâneo, sem qualquer iluminação, certamente úmido e fétido), com as mãos e pés amarrados, tendo sido açoitados, à meia-noite, cantavam hinos a Deus (At 16:24,25), prova de que toda esta situação não lhes roubara a alegria.
d) Paulo, apesar de estar preso, não só mostrou a sua alegria, mas estimulou a que os filipenses também a sentissem (Fp 3:1; 4:4). Por isso o apóstolo pôde dizer aos crentes de Corinto que, mesmo que contristado, sempre estava alegre (2Co 6:10).
3. Apesar da pobreza – “Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação (Fp 4:11). Paulo ressalta que ele é independente de circunstâncias seculares. Ele havia aprendido “a viver contente”, qualquer que fosse a situação financeira. O contentamento é muito melhor que as riquezas porque “mesmo que o contentamento não produza riqueza, ele consegue atingir o mesmo objetivo banindo o desejo delas”.
É válido ressaltar que nos primeiros dias do ministério de Paulo, quando ele partiu da Macedônia, nenhuma igreja se associou a ele financeiramente, a não ser os filipenses(cf Fp 4:15). Mesmo quando Paulo estava em Tessalônica, os filipenses mandaram não somente uma vez, mas duas, o bastante para as suas necessidades(cf Fp 4:16). É evidente que os filipenses mantinham tão estreita comunhão com o Senhor que Deus podia orientá-los com respeito às suas contribuições. O Espírito Santo fez pesar o coração deles com relação às necessidades do apóstolo Paulo, e eles responderam enviando-lhe dinheiro não somente uma vez, mas duas. Contudo, é importante destacar que Paulo põe toda a ênfase de sua alegria no Senhor(Fp 4:10), e não na generosidade dos filipenses. Ele sabia que os crentes de Filipos eram apenas os instrumentos, mas que o Senhor era o inspirador. Paulo tinha profunda consciência de que a providência de Deus, às vezes, opera por meio das pessoas. Assim, Deus supriu suas necessidades por intermédio da igreja. Ele agradece à igreja a provisão, mas sua alegria está no provedor.
III. AMADURECENDO PELA SUFICIÊNCIA DE CRISTO
1. Através das experiências. “Sei estar abatido e sei também ter abundância; em toda a maneira e em todas as coisas, estou instruído, tanto a ter fartura como a ter fome, tanto a ter abundância como a padecer necessidade” (Fp 4:12). Neste texto, Paulo expõe sua maturidade, sua experiência na jornada cristã. A Bíblia Sagrada mostra-nos que o crescimento espiritual é progressivo. É um processo. Jesus precisa ser formado em nós (Gl 4:19).
As grandes lições da vida nós as aprendemos no vale da dor. O sofrimento é não apenas o caminho da glória, mas também o caminho da maturidade. O rei Davi afirmou: “Foi-me bom ter passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos” (Sl 119:71). O patriarca Jó disse que antes do sofrimento conhecia a Deus só de ouvir falar, mas por meio do sofrimento seus olhos puderam contemplar o Senhor (Jó 42:5).
Paulo, em Romanos 5:3-5, descreve os três estágios para se adquirir a maturidade cristã: “a tribulação produz a paciência; a paciência, a experiência; a experiência, a esperança; a esperança, a certeza”.
Ao comparar a vida espiritual ao desenvolvimento de uma videira, Jesus mostrou que se trata de um processo lento, continuado e não de um toque de mágica. A salvação é instantânea, pois a vida é um milagre, que surge repentinamente, porém, o crescimento já não é desta ordem, exige uma continuidade. A formação de qualquer fruto, da semente gerada ao fruto maduro, será sempre um tempo prolongado. Assim, a formação do Fruto do Espírito na vida do cristão não acontece num único ato, mas, é um processo formado por muitos atos “até que todos cheguemos… a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo”(Ef 4:13).
2. Não pela auto-suficiência. A auto-suficiência leva-nos a uma sensação de independência e quando somos tomados por este ilusório sentimento que se aflora em ações inconsequentes, estamos já perto, muito perto, do iminente fracasso. O servo de Deus por mais preparado que possa ser, por mais experimentado que seja, deve sempre compreender que precisamos sempre de Deus, o Todo Poderoso. Torna-se necessário, então, termos cuidado para não incorrermos no errôneo caminho da auto-suficiência. Paulo estava sempre consciente de sua total dependência de Deus. Ele mesmo escreveu: “…a nossa suficiência vem de Deus”(2Co 3:5, ARA).
3. Tudo posso naquele que me fortalece. “Tudo posso naquele que me fortalece”(Fp 4:13 –ARA). Há pessoas que costumam usar esse texto de Paulo aos Filipenses como um aval bíblico ativo para diversas empreitadas pessoais. Os adeptos da Teologia da Prosperidade tomam-no fora do seu contexto e utilizam-no imediatamente, fazendo com que muitos crentes acreditem que podem possuir o que quiserem, já que é Deus quem lhes garante isso. Mas, o contexto em que essa frase está inserida não corresponde ao que está sendo pronunciado em muitos de nossos púlpitos. Como sempre, é necessário observar o contexto da passagem. O contexto imediato, Fp 4:10-20, indica que Paulo está tratando de necessidades pessoais. Podemos ver isso quando ele usa frases e termos como “pobreza” (v. 11); “fartura e fome”; “abundância e escassez” (v. 12); “dar e receber” (v. 15) e “necessidades” (vv. 16 e 19). Todas estas palavras e frases tratam de necessidades físicas e imediatas como comida e moradia. Ele pessoalmente passou por necessidades nestas áreas e está mostrando como Cristo lhe deu força para enfrentá-las.
Portanto, ao dizer “Tudo posso naquele que me fortalece”, Paulo não quis dizer “tudo” num sentido absoluto. O que ele quis dizer era que, de todas as coisas que havia passado, que necessitavam de poder para enfrentar, como pobreza, fome, escassez e necessidades, Cristo supria tudo que ele precisava. Pelo que já havia passado, Paulo tinha confiança, e quis passar esta mesma confiança aos Cristãos em Filipos, de que “Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades” (Fp 4:19). Amém!
CONCLUSÃO
Em nossa jornada rumo à Formosa Jerusalém, jamais haverá ausência de conflitos. Portanto, devemos saber conviver com eles, sabendo que Jesus está conosco no barco, o que significa que jamais seremos abandonados. Qualquer tempestade, não importando a sua origem ou a sua magnitude, não pode resistir ao poder e à autoridade do Filho do Deus vivo que criou todas as coisas e as tem sob o seu controle. Você precisa estar cônscio dessa realidade. Deve ter convicção de que serve a um Senhor bom, maravilhoso, que o ama, que é todo-poderoso e que detém o controle de tudo. Ele prometeu estar conosco sempre, até a consumação dos séculos; por toda a eternidade, e é fiel para cumprir isto. Lembre-se, todas as coisas contribuem para o bem de quem ama a Deus(Rm 8:28). Quem não ama ao Senhor não tem condição de entender que as aflições e bênçãos, juntas, são os meios com os quais Deus faz com que cresçamos. Então, não importa a tribulação que você esteja vivenciando na sua casa, no seu trabalho. Jesus está com você e irá conduzi-lo em triunfo para fora dessa aflição ou dará uma ordem para que ela cesse, quando tiver cumprido seu propósito em sua vida.
Quero agradecer a todos que me seguiram ao longo deste trimestre letivo. Confesso que as 14 Lições estudadas me deram mais solidez espiritual e maturidade cristã. Espero que você, também, tenha se conscientizado de que, apesar dos percalços, das aflições da vida, é possível ter uma vida plena da graça de Deus. Estamos cientes de que “as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm 8:18). “Muitas são as aflições do justo, mas o Senhor o livra de todas”(Salmo 34:19). Amém!
——–
Elaboração: Luciano de Paula Lourenço – Prof. EBD – Assembléia de Deus – Ministério Bela Vista. Disponível no Blog: http://luloure.blogspot.com
Referências Bibliográficas:
William Macdonald – Comentário Bíblico popular (Antigo Testamento).
Bíblia de Estudo Pentecostal.
Bíblia de estudo – Aplicação Pessoal.
O Novo Dicionário da Bíblia – J.D.DOUGLAS.
Comentário Bíblico NVI – EDITORA VIDA.
Revista Ensinador Cristão – nº 51 – CPAD.
Buscando as coisas que são de cima – Rev.Hernandes Dias Lopes.
Filipenses(A alegria triunfante no meio das provas) – Rev.Hernandes Dias Lopes.
Paulo(o maior Líder do Cristianismo) – Rev.Hernandes Dias Lopes.
STANLEY, Charles. Como lidar com o sofrimento. Belo Horizonte:Betânia, 1995.